domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Amor

O amor, quando se revela,  
Não se sabe revelar.  
Sabe bem olhar p'ra ela,  
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente  
Não sabe o que há de *dizer.  
Fala: parece que mente  
Cala: parece esquecer  
Ah, mas se ela adivinhasse,  
Se pudesse ouvir o olhar,  
E se um olhar lhe bastasse  
Pr'a saber que a estão a amar!  
Mas quem sente muito, cala; 
Quem quer dizer quanto sente  
Fica sem alma nem fala,  
Fica só, inteiramente!  
Mas se isto puder contar-lhe  
O que não lhe ouso contar,  
Já não terei que falar-lhe  
Porque lhe estou a falar...
 (Fernando Pessoa)

Regis Danese Compromisso

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Deus está me ensinando - Eyshila

A 'sperança, como um fósforo inda aceso

A 'sperança, como um fósforo inda aceso,
Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.
Cada dia me traz com que 'sperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa de Esperança ...
Mas viver é sperar e se cansar.
O prometido nunca será dado
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se a esperança e gosto,
Gastou-se no esperá-lo, e está acabado.
Quanta ache vingança contra o fado
Nem deu o verso que a dissesse, e o dado
Rolou da mesa abaixo, oculta a conta.
Nem o buscou o jogador cansado.
Fernando Pessoa

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Estou Cansado



Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

(Álvaro de Campos

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

(Fernando Pessoa)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Fernanda Lara - Águas que curam

Análise



Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista

Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.

E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

(Fernando Pessoa)

Ela Sabe

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A Menina e o Pássaro Encantado

Não Basta


                                                         Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.


(Alberto Caeiro)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A tua voz fala amorosa...


Qual é a tarde por achar
Em que teremos todos razão
E respiraremos o bom ar
Da alameda sendo verão,     
Ou, sendo inverno, baste 'star
Ao pé do sossego ou do fogão?
Qual é a tarde por voltar?
Essa tarde houve, e agora não.
Qual é a mão cariciosa
Que há de ser enfermeira minha —
Sem doenças minha vida ousa —
Oh, essa mão é morta e osso ...
Só a lembrança me acarinha
O coração com que não posso.
Fernando Pessoa

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Fernandinho - Me leva

Tua graça me basta - Sérgio Saas

A vida me ensinou





"A vida me ensinou... A dizer adeus

às pessoas que amo, sem tira-las do meu coração; Sorrir às pessoas que não

gostam de mim, para mostra-las que sou diferente do que elas pensam; Fazer de
conta que tudo está bem quando isso não é verdade, para que eu possa acreditar
que tudo vai mudar; Calar-me para ouvir; Aprender com meus erros. Afinal eu
posso ser sempre melhor. A lutar contra as injustiças; Sorrir quando o que mais
desejo é gritar todas as minhas dores para o mundo, a ser forte quando os que
amo estão com problemas; Ser carinhoso com todos que precisam do meu carinho;
Ouvir a todos que só precisam desabafar; Amar aos que me machucam ou querem
fazer de mim depósito de suas frustrações e desafetos; Perdoar
incondicionalmente, pois já precisei desse perdão; Amar
incondicionalmente....Enfim aprendendo a VIVER cada dia mais".
(Clarice Lispector)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Precisamos De Você.




Precisamos De Você.
Aprende - lê nos olhos,
lê nos olhos - aprende
a ler jornais, aprende:
a verdade pensa
com tua cabeça.

Faça perguntas sem medo
não te convenças sozinho
mas vejas com teus olhos.
Se não descobriu por si
na verdade não descobriu.

Confere tudo ponto
por ponto - afinal
você faz parte de tudo,
também vai no barco,
"aí pagar o pato, vai
pegar no leme um dia.

Aponte o dedo, pergunta
que é isso? Como foi
parar aí? Por que?
Você faz parte de tudo.

Aprende, não perde nada
das discussões, do silêncio.
Esteja sempre aprendendo
por nós e por você.

Você não será ouvinte
diante da discussão,
não será cogumelo
de sombras e bastidores,
não será cenário
para nossa ação

Bertolt Brecht